Cada pessoa
é única e, da mesma forma, os seus pensamentos. As idéias de cada um são
válidas e justificadas na medida em que expressam o seu conhecimento
particular. Em relação a
"faixa preta desbotada", não concordo com a afirmação de que a mesma
represente "anos de treino" ou que tenha um caráter simbólico
transcendente (idéias muito difundidas em nossos dias) e digo isso com base em
três razões básicas:
1. Esta característica, as faixas
pretas em farrapos, só é vista em Karatedō. Em Jūdō ainda não vi tal fenômeno,
mesmo em Jūdōka muito idosos, com dezenas e dezenas de anos de prática efetiva.
Observe que em Jūdō existem técnicas em que é necessário agarrarmos e puxarmos
as faixas dos adversários - e estas se mantêm íntegras mesmo com dezenas de
anos de prática (e se não se mantém intactas, são substituídas).
2. O problema mais grave sobre este
assunto é que a cultura japonesa prima pelo asseio pessoal. É simplesmente
incabível usarmos um Jūdōgi ou Karategi em farrapos, da mesma forma que é
difícil compreender como é possível usar parte do mesmo (a faixa) em péssimas
condições. É como um Samurai andar com uma espada enferrujada à bainha.
Cuida-se do próprio material porque - aqui sim - o material é o espelho do
praticante e, portanto, um cuidado com a nossa apresentação pessoal e com o
nosso próprio equipamento é fator primordial.
3. Outro ponto interessante a respeito
das faixas esfarrapadas que também pode ser visto dentro do Karatedō é o fato
de que este fenômeno ocorre também em praticantes que não tem tantos anos de
treino quanto isso e, portanto, leva-nos a concluir que é um fenômeno que se
expande por imitação, ou seja, a fútil idéia de que "aparência é
competência".
Se
analisarmos a idéia de que "A faixa branca simboliza a pureza, o ponto de
partida de tudo, e quando sua faixa está ficando desbotada ou ficando branca,
simboliza uma volta as suas origens, pois, é sempre bom que o praticante nunca
esqueça onde ele começou seu aprendizado no caminho da arte marcial que
escolheu em especial aqui o Karatedō." poderíamos pensar que ao deixar a
faixa mostrar o seu interior estaríamos a simbolizar uma volta as origens...
Mas isso está completamente errado!
(In)felizmente
isso não pode ser encarado desta maneira porque o Karatedō (o Jūdō ou qualquer
outra arte japonesa) simplesmente NÃO começa na faixa branca. O Karatedō, o
Jūdō etc. começam na realidade na primeira faixa preta. E é por isso que a
primeira faixa preta chama-se Shodan 初段 ("Nível inicial").
Cumpre-me
lembrar que estamos a falar de cor da faixa e sua utilização efetiva e se
tivermos - nesta linha de pensamento - de "voltar às origens",
devemos mesmo utilizar uma faixa imaculadamente preta, pois aqui sim iniciamos
o treino nas artes marciais. As demais cores anteriores são níveis
preparatórios para o começo do treino efetivo.
Uma coisa é
certa: estamos todos de acordo com o simbolismo da "volta às
origens", mas a faixa original daquele indivíduo que realmente
"começou" no Karatedō, ou qualquer outro Shodan 初段 é, inegavelmente,
preta.
Sendo
bastante pragmático, acredito que somos adultos o suficiente para não termos de
ter "uma marca pendurada à barriga" para lembrar que devemos ser
humildes. A humildade vem com a educação. Se tivermos aprendido previamente o
que é humildade, o que é ser humilde, não precisaremos de ter
"lembretes" pendurados ao redor do corpo (de qualquer espécie).
Existe ainda
mais um ponto que gostaria de comentar...
Há aqueles
que dizem: "Nunca devemos comparar Jūdō com Karatedō, pois cada arte tem
sua forma de entender as coisas."
Bem. Como
estamos a falar de faixas, esta afirmação seria válida se os fatos históricos
sobre o próprio Karatedō a validasse - o que, definitivamente, não é o caso.
Relembremos
então, de forma extremamente resumida, a história da introdução do Karatedō no
Japão (coisa que - como a teoria da própria arte - a maioria dos instrutores de
Karatedō esquece)...
"Após a
visita de Kanō Jigorō 嘉納治五郎 (Fundador do Jūdō 柔道) à Okinawa 沖縄, onde o mestre do
Jūdō 柔道 sugeriu aos mestres de Karatedō 空手道 que as suas
artes fossem apresentadas no Japão, Funakoshi Gichin 船越義珍 foi escolhido
para introduzir o Karatedō 空手道 no Japão. A fim de tornar o Karatedō 空手道 mais aceitável
ao povo japonês, Funakoshi Gichin 船越義珍 copiou o Jūdōgi 柔道着, chamando-o
Karategi 空手着 e"copiou também as graduações do Jūdō 柔道".
(...)" - O resto são fatos históricos.
Assim sendo,
não só podemos comparar as graduações do Karatedō [空手道] com as
graduações do Jūdō [柔道], como também somos capazes de traçar
análises a partir de pontos de vistas diferentes daqueles que estamos
acostumados.
De uma
maneira ou de outra, as artes marciais japonesas estão todas interligadas, nem
que seja pela cultura, filosofia ou idioma comum.
Para
concluir, resta-me apenas dizer que tudo na vida são "escolhas"...
Mas sejamos minimamente coerentes: os mesmos mestres que usam as faixas em
farrapos, não usam o Karategi em farrapos... portanto há uma contradição
visível a respeito da manutenção do equipamento pessoal.
Não é por
apresentarmos uma faixa em péssimas condições de manutenção que o nosso
estatuto de "mestre" eleva-se sobre os demais. Muito pelo contrário.
Cabe, por
isso, a cada um de vós a escolha da resposta para esta contradição.
Postado por:
Joe Goulart
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